segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O Grito dos Bolivianos

ANTROPOLOGIA E LITERATURA

O Grito dos Bolivianos

Eduardo de Febo
(autor convidado)



Parei de fumar.

Mas já voltei . A milhão , com tudo.

Quando desse meu interregno de nicotina, voltei a ser um atleta. Corria feito louco, pra lá e pra cá.

Havia dias em que corria de manhã , tarde e noite.

Minha mulher insinuou que eu tinha uma amante no parque em que corria. Pois em alguns dias, como já disse, enfrentava as borrascas mais tenebrosas para manter meu condicionamento físico. Era pior do que "Tóchico".

Corria feito bobo. Voltei até a praticar boxe. Sentia-me um garoto de 20 anos - só que em um corpinho de 38. Minha bunda até cresceu. E olha que eu sempre tive bunda de gaveta : pra dentro.

Aos domingos corria no Parque da Mooca, mais conhecido como Distrital, em frente à São Judas.

Foi lá que presenciei algo triste , insólito, que me acertou como um direto na testa, sem direito à esquiva.

Há um campo de futebol no Parque que fica acima do nível da pista de corrida.

Em um domingo à tarde, corria em volta do campo. Dia morto pra se jogar futebol; horário que ninguém quer utilizar. Mas o campo estava cheio.

Percebi pelo bater , ou melhor, pelo som inconfundível da bola quicando. Pois, como bom brasileiro que sou, já tive meus rompantes futebolísticos - apesar de achar , hoje, que estádio de futebol deveria ser demolido para dar lugar a coisas mais úteis.

Eles estavam lá . Dois times de futebol.

Uniforme completo, inclusive bandeiras dos times presas atrás do gol.

Não havia juiz.

Eles, civilizadamente , resolviam a questão com o bom senso de quem não pode ser ouvido, notado ou descoberto. De quem é estrangeiro, estranho, mal quisto; de quem - desde tempos pré-colombianos - é subjugado, esfoliado e morto ; de quem mora em um país infestado de desdém.

Os mudos fariam mais barulho do que eles.

Dois times se comunicando por gestos e troca de olhares - coisa improvável em um jogo de futebol , ainda mais na várzea , onde o que impera é a arma na cinta , o " Carai, mano" , o " Tá tirano ??" , o " Vai Curinthia".

Eles gritavam por dentro.

Fazendo o que qualquer criança faz na rua, com golzinho de pedra e area riscada no chão.

Eles são os novos imigrantes daquele bairro de operários. São os novos espanhóis, portugueses, italianos, lituanos.

Só que sem som.



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